O acesso à saude na Bahia (Brasil) e na Galicia (Espanha)
Por Ozana Rebouças Silva |
CRÍTICA URBANA N.26 |
No âmbito da saúde pública inúmeros fatores marcam as diferenças entre a realidade espanhola e brasileira, mas, por outro lado, alguns fatores refletem as semelhanças enfrentadas por países que possuem sistemas de saúde universais, tais como de financiamento, formação e fixação de pessoal qualificado, o aumento dos custos de tratamento, crescimento das doenças crônicas.
Estas temáticas são desafios para a distribuição equitativa dos equipamentos de saúde e acesso da população aos serviços tanto na Comunidade Autônoma de Galícia na Espanha quanto no Estado da Bahia no Brasil.
O Estado Espanhol é uma monarquia parlamentarista soberana que garante autonomia política administrativa às suas 17 territorialidades regionais denominadas de Comunidades Autónomas (CA), compostas por províncias e municípios, e de outras entidades locais como as paroquias rurais em Galícia e das cidades autônomas de Ceuta e Melilla.
A CA de Galícia possui 29.576,74 km² e subdivide-se nas províncias de Corunha, Pontevedra, Lugo e Ourense, totalizando 313 municípios. O poder político administrativo é exercido pelo Parlamento de Galícia, pela Xunta e pelo seu presidente e a cidade de Santiago de Compostela, na província de Coruña, é sua capital política.
A Galícia possuía em 2021, segundo o Instituto galego de Estatística (IGE), 2.695.645 de habitantes e densidade populacional de 91,2 pessoas por km².
O saldo vegetativo em 2020 foi de -17.559 pessoas com um índice de envelhecimento de 160,40 (número de pessoas de 65 ou mais anos por cada 100 menores de 20 anos); a taxa bruta de natalidade em 2019 é de 5,46 por cada 1000 habitantes e o número médio de 1,02 filhos por mulher. A taxa de mortalidade na Galícia é de 11,57 por cada 1000 habitantes e a esperança de vida ao nascer era de 83,15 anos em 2019. Esses dados confirmam que o envelhecimento da população é uma realidade e uma questão de política pública, principalmente no campo da economia, saúde e de planejamento urbano.
Segundo a exposição de motivos da Lei 5/2021 de 2 de fevereiro que trata sobre o impulso demográfico na Galícia são necessárias medidas para gerir os desafios como a taxa de reposição da população. Essas características de âmbito demográfico, territorial, econômico e social revelam-se como pautas urgentes para a gestão do sistema de saúde da Galícia, e que repercutem em seu planejamento, organização, financiamento e ordenamento territorial.
O Brasil é um estado federado, soberano, formando por entes federados e autônomos entre si (União, Estados, municípios e distrito federal). A Bahia, Estado autônomo da República Federativa do Brasil, é composto por 417 municípios, todos também autônomos com capacidade de auto-organização, autogoverno e auto-administração; caracteriza-se por ser um Estado de grande extensão territorial e com uma população de mais de 14 milhões de habitantes, mais de 5 vezes a população da Galícia, ocasionando com isso uma relevante diferença de densidade demográfica.
A Bahia tem baixa densidade demográfica (24,82hab/km²) se comparado a Galícia (91,3hab/km²), tais caracteristicas espaciais estabelecem diferentes lógicas, condições e possibilidades de ordenar recursos e equipamentos sanitários no território.
Na Bahia, a taxa de fecundidade foi de 1,68 filhos por mulher em 2019 e a porcentagem da população com 65 anos ou mais de 8,89% (IBGE, 2022), esses indicadores já mostram diferenças importantes em relação à Galícia, a qual possui menor taxa de fecundidade (1,02 de filhos por mulher) e uma população muito mais envelhecida.
Na Bahia, por exemplo, o perfil epidemiológico é marcado pelas doenças crônico-degenerativas, assim como na Espanha, mas com a sobreposição das doenças transmissiveis. Além disso, os dados da Bahia sobre taxa de mortalidade, mortalidade infantil e esperança de vida ao nascer mostram grandes problemas a serem superados se comparados a Galícia e ressaltam a importância dos determinantes sociais da saúde para compreender a saúde da população.
Quando se trata de acesso, a Lei 1/1989 que regulamentou o Serviço Galego de saúde estabeleceu a organização do território em áreas de saúde e definiu que cada área deverá conter pelo menos 1 hospital geral de referência, além disso, determina que as áreas de saúde devem ser divididas em zonas de saúde, funcionando como referência para a organização territorial da atenção primária integrada em saúde.
Já a lei 7/2003 de ordenação sanitária da Galícia, regulamentado pelo decreto 134 de 2019, tratou de definir a ordenação da saúde em áreas sanitárias, demarcação territorial equivalente às áreas de saúde previstas no artigo 56 da Lei 14/1986; distritos hospitalários e zonas de atenção primária, a fim de concretizar uma adequada assistência sanitária em termos de equidade no acesso e equilíbrio territorial, dentro do âmbito das necessidades da comunidade de Galícia.
Contudo, no contexto baiano, devido ao tamanho do Estado e a atual distribuição dos equipamentos de saúde no território, existe o problema da equidade espacial. Atualmente, a Bahia possui 28 regiões de saúde, organização territorial que passa a ser mais valorizada a partir do decreto nº 7.508/2011 (regulamentou a lei 8.080 de 1990 do Sistema Único Saúde – SUS), contudo apesar dos avanços para desconcentrar e regionalizar o atendimento ainda permanecem fortes disparidades na distribuição de recursos e equipamentos entre as regiões de saúde na Bahia, configurando grandes vazios assistências pela falta de hospitais especializados e centros de tratamento em diversas regiões de saúde do Estado.
Um dado que mostra essa realidade e que se evidenciou recentemente com a pandemia de Covid-19, foi da existência de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI), utilizados para suporte e manutenção da vida de pacientes em condições graves, um equipamento fundamental em qualquer unidade hospitalar, pois das 28 regiões de saúde da Bahia em 2020, existiam nove regiões sem nenhum leito de UTI (DATASUS, 2021) e cada uma dessas regiões representam populações que possuem entre 200 mil a 600 mil habitantes.
No âmbito da organização e distribuição dos recursos e equipamentos de saúde a organização espacial em áreas de saúde, conformadas pelo sistema público de saúde da Galícia a partir das diretrizes estabelecidas em âmbito nacional, promoveu uma intensa distribuição de equipamentos e serviços no território, principalmente pela distribuição dos centros de atenção primária, mas também dos hospitais de referência, conferindo uma maior integralidade da atenção em saúde no que se refere à proximidade dos recursos sanitários em relação a população abrangida, principalmente quando se compara com a realidade baiana, assegurando as devidas proporções. Conforme determina a lei 1/2018 de 2 de abril por la que se modifica la Ley 8/2008, de 10 de julio, de salud de Galicia, efetiva-se a divisão das áreas sanitárias em distritos e zonas sanitárias e designa que os distritos sanitários devem possuir ao menos 1 (um) hospital de referência em seu limite territorial. Conforme consulta ao site do Serviço Galego de Saúde (SERGAS) em 2022, todas as áreas de saúde possuíam entre 3 a 5 hospitais e abrangem de 200 mil a 500 mil habitantes.
Na Bahia o acesso à saúde ainda é bastante desigual, mesmo considerando as dificuldades de lidar com um território extenso, com grandes desigualdades socioespaciais e com menores recursos financeiros investidos em saúde, principalmente quando se compara a realidade dos dois países. Segundo o Conselho Federal de Medicina brasileiro com base em dados divulgados pela organização Mundial de Saúde em 2015, o Brasil teve um gasto público em saúde de US$ 334 per capita e a Espanha US$ 1.672 (CFM, 2018).
Os pacientes na Bahia ainda necessitam realizar longas e exaustivas horas de viagem, muitas vezes em débil condição de saúde, para acessar a rede de cuidado garantida pelo SUS, tal cenário escancara uma contradição no processo de organização espacial da saúde no Estado, que apesar da grande extensão territorial ainda concentra em poucos espaços os recursos de saúde pública de atenção especializada de alta complexidade, resultado em graves inequidades distributivas inter-regionais, tornando-se ainda mais explicita a partir de outras realidades, por exemplo, quando se compara com a distribuição espacial dos recursos de saúde na Comunidade Autônoma da Galícia na Espanha.
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Referências
BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
BRASIL. Ministério da Saúde. Banco de dados do Sistema Único de Saúde- DATASUS. Disponível em: https://www.datasus.gov.br. Acesso em: 19 de jul. 2021.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (Brasil). O preço da saúde no Brasil. Jornal Medicina, Brasília, ed. 284, Outubro 2018. Acesso em: 15 mar. 2021.
ESPANHA. Lei 14/1986, de 25 de abril, General de Sanidad.
Nota sobre a autora
Ozana Rebouças Silva. Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal da Bahia no Brasil. Pesquisadora do tema acesso à saúde pública e Justiça espacial com doutorado sanduiche na Universidade de Santiago de Compostela em Espanha em setembro de 2021/abril de 2022. Mestre em Gestão de Políticas Públicas e Segurança Social. Geografa.
Para citar este artículo:
Ozana Rebouças Silva. Pelas lentes da equidade. Crítica Urbana. Revista de Estudios Urbanos y Territoriales Vol.5 núm. 26 Hábitat y salud. A Coruña: Crítica Urbana, diciembre 2022.