Por Ediván Fulgencio |
CRÍTICA URBANA N.22 |
Percebem-se nas cidades ao redor do mundo novas formas de mobilização e organização popular representando espaços de esperança na disputa pelos comuns urbanos espoliados pelas classes dominantes.
Num mundo marcado pelas ameaças à vida, ao meio ambiente e ao planeta, consequências da acumulação capitalista dos últimos séculos, os coletivos se apresentam como resistências populares, com potencial de articularem um movimento mundial por uma nova sociedade sob os parâmetros da justiça social, da ecologia e do bem comum.
Espaços de esperança
A crescente urbanização e posterior metropolização do espaço global, principalmente a partir da década de 1960, se deu através de processos de segregação espacial que reconfiguraram os centros urbanos e suas regiões periféricas, gerando bolsões de pobreza marcados por infraestruturas precárias. Esta nova configuração espacial propiciou o surgimento de manifestações políticas de resistência, como os movimentos sociais e coletivos populares. Bem como, grupos de interesses paralelos disputando os comuns urbanos.
Estas novas formas de mobilização e organização popular, através de suas práticas espaciais, tendem a impactar as disputas políticas em territórios negligenciados pelo poder público, em contraponto à densidade demográfica observada nestes aglomerados urbanos. Com um discurso leve e atuação inovadora, vão atrair principalmente as camadas mais jovens da população, desencantadas em seus estratos sociais, com as formas tradicionais de organização social e política: igrejas, partidos, associações de moradores, sindicatos, ONGs e movimentos sociais tradicionais.
Os coletivos apresentam-se para estes estratos sociais como alternativa de enfrentamento ao poder público e poderes paralelos. Apresentando soluções e cobrando respostas para os problemas acarretados pela transformação espacial e ocupação territorial desordenada: mobilidade urbana, saúde, educação, cultura, lazer, etc. Ou seja disputando o Direito à cidade com seus equipamentos e serviços os quais devem ser, por princípio, de posse e uso de todos os cidadãos, ou seja, Comuns urbanos. Os equipamentos, a cultura, os serviços e a própria vida cotidiana das diferentes minorias como mulheres, negros, comunidades, LGBTQIA+, são defendidos, apropriados ou disputados politicamente nas mobilizações e ações coletivas frente às classes dominantes e ao poder público, numa autêntica prática revolucionária que está marcando este início do século XXI.
Territórios de resistência
Com práticas inovadoras, leves e não convencionais, os coletivos estão transformando os movimentos sociais e outras formas tradicionais de organização política, com rejuvenescimento de ações e práticas, inserção de novas pautas e bandeiras, além dos novos modos de se organizar e agir local, porém numa dimensão espacial que reflete as diferentes e cruéis faces das desigualdades provocadas pela dinâmica de acumulação capitalista ao redor de todo o mundo globalizado.
Uma vez que estas iniciativas evoluam sua escala espacial, de lutas locais para regionais e possivelmente, inclusive pautas globais. Valendo-se entre outras ferramentas de organização, das modernas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), apresentariam assim, uma potencialidade multiescalar capaz de canalizar diversas demandas não atendidas pelo capitalismo em um único levante contrário ao sistema. Possibilita-se assim a realização da utopia de um movimento anticapitalista global, como espaço de esperança e resistência na luta global pelos comuns planetários: ar, água, alimento e saúde para todos, justiça e paz.
Em escala local, as mobilizações coletivas se configuram como territórios de resistências, onde o povo se organiza para lutar. Em escala mundial, o enfrentamento à onda capitalista ultraliberal, com resistências em diversos países, às modificações ou exclusões das classes baixas e médias das iniciativas de bem-estar social, como os direitos à aposentadoria, a privatização da educação e saúde, além de ataques a direitos básicos, como as questões étnico-raciais, os direitos das mulheres, a defesa do meio ambiente e das minorias, entre outros, vêm animando grupos a se mobilizarem coletivamente, seja em iniciativas locais, seja em arranjos políticos de lideranças mundiais como caso da Frente Progressista Internacional.
Considerações finais
A partir da observação das formas de atuação destas forças transformadoras em diferentes territórios é possível distinguir ao menos duas formas distintas de ações coletivas:
1.Mobilizações coletivas
Ações espontâneas, surgidas da necessidade de resposta ou de marcação de posição, defesa de direitos retirados ou contra-ataque a ações violentas, desafiadoras ou repressoras do Estado, ou das forças hegemônicas sobre um dado grupo social, o qual se rebela e age.
Essa ação, muitas vezes, é por impulso do grupo ou de uma liderança capaz de organizar a mobilização, a qual após conseguir o sucesso de seu intento é desfeita. Seja porque perdeu a força política ou porque a reivindicação foi atendida. São exemplos destas mobilizações, entre outras: barricadas com queima de pneus e fechamento de ruas; mobilizações de estudantes e trabalhadores nas ruas; ações como as aulas ao ar livre; gestos de solidariedade; caminhadas e iniciativas de respeito e diálogo inter-religioso; os “abraços”, caminhadas e limpezas voluntárias de espaços naturais e ecológicos como lagoas, parques, praias, bosques, florestas, entre outras.
2. Coletivos urbanos (ou simplesmente …. Coletivos)
Grupos organizados em torno de pautas comuns. Muitas vezes identitárias: gênero, raça, cultura. Outras de cunho social, econômico, saúde, educação, mobilidade urbana ou por comuns urbanos, configurando uma luta política cuja característica é uma atuação localizada, específica a um tempo e espaço próprios.
O principal aspecto positivo identificado é a capacidade de organização e agilidade destes grupos em se movimentarem e apresentar propostas de ação e efetivamente agirem pelas pautas que defendem. Exemplo desta organização é o fato de os coletivos estarem se configurando como fontes de agentes e ativistas para os movimentos sociais tradicionais e partidos políticos, ONGs, governos e suas atividades de composição e reconfiguração da sociedade e dos territórios onde atuam.
Esta construção como reza um axioma repetido como mantra por estes diferentes grupos, é coletiva, e principalmente alinhada com o mundo e seu tempo.
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Para maiores informações:
CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da Internet. Rio de Janeiro, Zahar. 2017.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo, Boitempo. 2017. Edição Kindle
HARVEY, David. 17 contradições e o fim do capitalismo. Tradução Rogério Bettoni. São Paulo, Boitempo. 2016.
Nota sobre o autor
Edivan de O. Fulgencio é Doutorando e Mestre em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ. Especialista em Análise, Projeto e Gerência de Sistemas pela UNESA, Rio. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Geografia Econômica (NEPGE) da UERJ. Membro do Conselho de Meio Ambiente (CONSEMAC) da Cidade do Rio de Janeiro. Ativista socioambiental mobilizador do Fórum Socioambiental da Zona Oeste, Rio de Janeiro. Pesquisador das Mobilizações coletivas e Movimentos sociais urbanos. Pesquisa a partir de uma práxis geográfica militante, as transformações territoriais resultantes das lutas pela justiça socioambiental na perspectiva da construção da sociedade pós-capitalista do bem comum para tod@s.
Para citar este artículo:
Ediván Fulgencio. Coletivos urbanos: espaços de esperança, territórios de resistência. Crítica Urbana. Revista de Estudios Urbanos y Territoriales Vol.5 núm. 22 Espacio público, espacio en conflicto. A Coruña: Crítica Urbana, enero 2022.