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O uso tático do direito a partir da luta do MFO

24 marzo, 2025

Por Alexandre Tortorella Mandl |
CRÍTICA URBANA N. 35 |

Por que os trabalhadores sempre pagam a conta? Quem decide quem fecha uma fábrica? Quem “legaliza” essa prática? Diante da retirada de direitos da classe trabalhadora, demissões em massa e fechamentos das fábricas, o Movimento das Fábricas Ocupadas (MFO) no Brasil busca organizar os trabalhadores para ocupar a fábrica e retomar a produção sob controle dos trabalhadores, construindo uma luta pela estatização sob controle operário, como patrimônio público, coletivo e planificado.

Evidente que esse conflito político da luta de classes ultrapassa uma disputa que se expressa juridicamente, porém passa por ela. Ao colocar em prática o lema dos movimentos sociais “ocupar, produzir, resistir”, sempre houve tentativa de questionar a legalidade dessa ação. Por que usam o aparato jurídico para deslegitimar e criminalizar a luta do MFO? Compreendendo que os direitos se constroem nas lutas sociais e revelando as contradições do Poder Judiciário, fazer o uso de táticas jurídicas contribui para elevar o nível de consciência da classe trabalhadora, sendo um instrumento importante para alcançar o objetivo estratégico da sociedade justa, livre e igualitária – o socialismo.

Demonstração de apoio às fábricas ocupadas. Foto: Alexandre Tortorella Mandl, 2008.

 

Histórico do Movimento das Fábricas Ocupadas

O MFO reivindica a estatização sob controle dos trabalhadores tendo como base a história da classe operária. A perspectiva é de expropriação dos meios de produção, construindo o socialismo, apontando as contradições do Estado, colocando os trabalhadores em luta e exercendo a democracia na produção. No Brasil, o MFO surge em 2002, com as experiências das fábricas Cipla e Interfibra, em Joinville/SC, e com a Flaskô, em junho de 2003, em Sumaré/SP.  Diante de três meses de salários atrasados, direitos e impostos sonegados, liquidação de maquinário, cortes de energia e fechamento de linhas de produção, os 1.100 trabalhadores da Cipla, Interfibra e Flaskô não tiveram alternativa que não se organizarem para dizer que não poderiam ser punidos com o desemprego pelo fechamento da empresa. Não se poderia aceitar a simples constatação de que no capitalismo fábricas fecham, e o máximo que poderia ser feito seria “brigar na Justiça por seus direitos”, pois simplesmente amanhã estariam todos desempregados e todos sabem como é “esperar seus direitos na Justiça”.

Assim, os trabalhadores organizaram uma greve, com ocupação da empresa, pressionando os patrões, para defender os postos de trabalho e o próprio parque fabril. Conquistaram apoio de toda a comunidade, de sindicatos, movimentos sociais e parlamentares. Essa pressão resultou em um acordo coletivo de trabalho, no qual foi outorgada uma procuração judicial para que uma comissão de fábrica eleita pelos trabalhadores pudesse averiguar a real situação econômica das empresas. Constatou-se um passivo da ordem de 500 milhões de reais, sendo que 75% dele seria com o Estado (destes, 70% com a Fazenda Nacional) e 5% de passivo trabalhista. Também foi constatada a viabilidade da fábrica e a possibilidade de manutenção da atividade industrial. Sendo assim, posteriormente, a procuração judicial foi prorrogada por prazo indeterminado.

Diversas são as conquistas sociais implementadas pela gestão dos trabalhadores, a começar pela democracia operária, que se concretiza pelas assembleias gerais mensais e pela organização de um conselho de fábrica. Os membros do conselho de fábrica são eleitos anualmente, com representantes de todos os setores e turnos, reunindo-se semanalmente para tomada de decisões. Um novo ritmo de trabalho é construído. A solidariedade é o sentimento que prevalece na produção, o que resulta na inexistência de acidentes laborais. Os trabalhadores têm ciência de todo o processo produtivo, evitando-se a alienação do trabalho. Há geração de novos postos de trabalho, em especial, por ocasião da redução da jornada de trabalho sem redução de salários, primeiro de 44 para 40, e, depois de 40 para 30 horas semanais (06 horas diárias). Todos os direitos da CLT são garantidos, além de INSS, já que todos permanecem com suas carteiras de trabalho. Os salários são baseados no piso da categoria e aplicam-se os reajustes conquistados nas campanhas salariais dos sindicatos. Mesmo com todas essas medidas, ressalta-se que houve um aumento no faturamento e na produtividade, o que demonstra a viabilidade da aplicação das reivindicações históricas da classe trabalhadora ao não ter a apropriação privada da riqueza numa gestão operária da produção.

Ato dos trabalhadores da Flaskô em frente ao fórum, contra o leilão da máquina Voith Sumaré. Foto: Setor de mobilização da Flaskô, acervo do Centro de Memória Operária e Popular – CEMOP.

 

O MFO, o uso tático do Direito e as contradições do Poder Judiciário

Ao realizar a ocupação da fábrica, uma primeira questão jurídica se coloca: pode-se ocupar a propriedade privada dos patrões? A tática foi adotar o embate de direitos entre a defesa do direito ao trabalho, como direito social internacionalmente e constitucionalmente reconhecido, e que se realiza na defesa da greve como direito coletivamente resguardado, para evitar o fechamento da fábrica e garantir que o patrimônio da empresa, devem ser resguardados para pagar as dívidas trabalhistas. Nesse conflito, deve-se apurar a função social da empresa, decorrente do conceito da função social da propriedade. Ora, deve-se registrar: a tática não possui nenhuma ilusão na normatividade burguesa, mas plena consciência de explorar as contradições entre o formalmente defendido e o que na prática se realiza. Objetivo é revelar a hipocrisia, a partir da ação organizada da classe trabalhadora. Expõe a clássica consigna de “dois pesos e duas medidas”, e como as normas expostas são desrespeitadas pelos proprietários dos meios de produção. O desfecho nessa primeira etapa é combater reintegrações de posse e apontar que deve prevalecer a defesa do direito do trabalho em detrimento do descumprimento do uso social da propriedade pelos empresários. Trata-se, então, de afirmar que há constitucionalidade nas greves de ocupação.

O segundo aspecto é discutir a legalidade do controle operário, vez que se é verdade que não há definição explícita ou expressa na legislação vigente (algo como: “se a fábrica fechar, os trabalhadores podem seguir produzindo sob controle operário”), é verdade que há várias analogias plenamente possíveis ao tratar das cooperativas ou na cogestão disposta na lei de falências e recuperação judicial. Há democracia nas decisões cotidianas da fábrica e organização coletiva da produção. A experiência do MFO aponta como melhor utilizar essas interpretações e disputas em prol dos trabalhadores, e sem cair nas armadilhas da lógica de empreendedorismo individualizado, mas ao contrário, na relação jurídica coletiva, se relacionando com o terceiro ponto: a legalidade da perspectiva da estatização sob controle operário.

Esse terceiro ponto é a luta histórica do movimento operário revolucionário internacional, sendo essencial para a superação do capitalismo. Ou seja, ultrapassa, evidentemente, o limite do Direito que está à serviço da manutenção da ordem burguesa possui expressões jurídicas na legislação vigente, porém é usada em prol do capital, com a socialização da dívida, a serviço dos empresários. Invertendo prioridades, é plenamente possível usar a adjudicação[1], a desapropriação[2] e a capitalização via BNDES[3], por exemplo, como instrumentos existentes na atual legislação, com o objetivo de garantir que o parque fabril seja resguardado, mantendo a produção e os postos de trabalho, com o “detalhe”, de que, nesse caso, a gestão será sob controle operário.

Talvez por esse “detalhe” (o controle operário), o Poder Judiciário tanto reprimiu o MFO, responsabilizando pelo passivo tributário da gestão patronal, criminalizando como quadrilha a organização das ocupações de fábricas, combinando com o uso dos grandes meios de comunicação e associações patronais. A maneira como ocorre essa disputa é bastante pedagógica. Usa-se taticamente o Direito para mostrar que os fundamentos vigentes deveriam ser utilizados a serviço da classe trabalhadora. Serve como ponto de apoio da organização do movimento operário, explora contradições, revela o caráter de classe dominante do Poder Judiciário, rasgando-se véus da suposta neutralidade, isenção e tecnicidade. Incomoda-se com a perspectiva colocada: Se é possível garantir o controle operário da produção, afinal, por que precisamos de patrões e a lógica privada das empresas?

De forma emblemática podemos perceber a real preocupação ao atacar o MFO, quando vemos a sentença da Intervenção Judicial sofrida nas fábricas ocupadas Cipla e Interfibra em Joinville. Após toda a fundamentação “técnica”, escancara-se o que está em jogo: “Ao permitir a defesa intransigente dos postos de trabalho estar-se-á desrespeitando o Estado Democrático de Direito. Imagine se a moda pega? ”. Ou seja, aqui é o cerne da luta de classes, expressa numa decisão judicial: Imagine se os trabalhadores começarem a ocupar as fábricas? Imagina se a moda pega? Sintomático e desafiador: seguiremos lutando para que “a moda pegue!”

 

Conclusão

Nesse sentido, a experiência do MFO é exemplar para compreender a práxis jurídica, a dinâmica de construção de direitos na luta de classes, inclusive com as reações por meio do Poder Judiciário. Assim, estamos diante de um uso tático do Direito como ponto de apoio das demais táticas do movimento operário quanto ao objetivo estratégico de superação da ordem social vigente, usando o “direito como barricada” e o “direito insurgente” como um método para as ações organizadas da classe trabalhadora e setores populares, no sentido de contribuir para revelar as contradições dos fatos da vida real e o “mundo” normativo. Por um lado, constata-se que há normas vigentes que respaldam seu uso tático para a defesa da luta do MFO. Ao mesmo tempo, o Poder Judiciário, como espaço privilegiado de atuação da classe dominante, expressa a prevalência do instrumento repressivo contra a ação organizada da classe trabalhadora. Desta forma, estudar o MFO sob o prisma jurídico ajuda a compreender a luta de classes e o Poder Judiciário, a produção do direito nas realidades sociais, no percurso da resistência à ofensiva de novas práticas para a emancipação humana, rompendo as amarras de nossa ordem social vigente.

_________________
Para saber mais:

MANDL, Alexandre Tortorella. A Constitucionalidade das greves de ocupações de fábricas. CEMOP: Sumaré, 2013

MANDL, Alexandre Tortorella. O Movimento das Fábricas Ocupadas e o Direito, In Revista do CEMOP, núm. 02, 2011, Sumaré. ISSN 2236-4110.

SEFERIAN, Gustavo. Direito do trabalho como barricada: sobre o uso tático da proteção jurídica das trabalhadoras e trabalhadores. Belo Horizonte: RTM, 2021.

PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente: para uma crítica marxista do direito. Volume 1. Curitiba: Lumen Juris, 2022.

_________
Notas

[1]  A adjudicação é o ato judicial no qual é declarado e estabelecido que a propriedade de um bem é transferida. Está disposta no artigo 685-A do CPC: “A adjudicação pode ser de imediato requerida pelo credor, antes da designação da praça, desde que por preço não inferior ao da avaliação”, sendo contemplada pela Lei de Execução Fiscal, em seu artigo 24, II, “b”. A adjudicação, portanto, é uma forma de satisfação do credor. Tem sido muito utilizada pela Procuradoria da Fazenda para quitar débitos fiscais de empresas. No entanto, no caso das empresas do MFO, a transferência da propriedade para o Estado é negada, pois seria um precedente “perigoso”. Ou seja, tal medida é respaldada pela ordem legal, e vem sendo recomendada como forma de viabilizar o pagamento dos passivos fiscais. Sua recusa seria até mesmo crime de prevaricação, vez que o Estado se omite de adotar medidas possíveis para recuperar valores aos cofres públicos.  

[2] A reivindicação encontra-se respaldada pela legislação vigente, tanto pelo texto constitucional mencionado anteriormente, quanto pela Lei nº 4132/64 que trata dos casos de desapropriação pela declaração de interesse social. Vejamos: “Art. 1º A desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem estar social, na forma do art. 147 da Constituição Federal (atual art. 186 da CF 88). Art. 2º Considera-se de interesse social: I – o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico; (…) § 2º As necessidades de habitação, trabalho e consumo serão apuradas anualmente segundo a conjuntura e condições econômicas locais, cabendo o seu estudo e verificação às autoridades encarregadas de velar pelo bem estar e pelo abastecimento das respectivas populações”. O trabalho é um fundamento da lei de desapropriação e a Flaskô foi declarada de interesse social, em Sumaré/SP, para fins de desapropriação. 

[3] Em 2003, uma comissão do MFO foi recebida por Lula. Explicada a reivindicação, Lula disse que analisaria e montou-se um grupo de trabalho interministerial, envolvendo também o BNDES, que, em 2005, publicou um completo relatório que concluiu: “Nossa sugestão é de que, por decisão do governo federal e do governo estadual, seus créditos sejam transformados em ações, que seriam postas como capitalização do BNDES. (…) Para encerrar, entendo que é um caminho difícil, mas factível, e entendo também que a única forma de realizar o que parece central neste caso (a manutenção dos empregos) exige que os entes públicos assumam o controle destas empresas através de seus bancos de desenvolvimento social, o BNDES e entes estaduais”. Ou seja, o BNDES atendeu ao pleito, dizendo que nos casos de empresas com grande passivo fiscal é recomendável que o débito seja transformado em crédito do BNDES, mantendo a atividade industrial e os postos de trabalho. Desde então, cobramos a aplicação da recomendação feita. No entanto, obviamente, trata-se de uma decisão política, mas que possui respaldo legal, tanto é que foi justamente com estes mesmos fundamentos que o BNDES tem agido desde 2008 em grandes empresas, como Aracruz, JBS Friboi, Banco Votorantim, entre outros. Não houve nenhum empecilho jurídico para tal implementação, pelo contrário, os pareceres da AGU e da Procuradoria foram no sentido de respaldar tais medidas.            


Nota sobre o autor

Alexandre Tortorella Mandl é doutorando no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, mestre em Economia do Trabalho na Unicamp, especialista em Direito Constitucional e graduado em Direito pela Puc-Campinas, membro do IPDMS (Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais), da RENAP (Rede Nacional de Advogad@s Populares) e advogado da Fábrica Ocupada Flaskô.

Para citar este artículo:
Alexandre Tortorella Mandl. O uso tático do direito a partir da luta do MFO. Crítica Urbana. Revista de Estudios Urbanos y Territoriales Vol. 8, núm. 35, Producción fabril para la producción de la vida. A Coruña: Crítica Urbana, marzo 2025.

Critica Urbana n. 35
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