Por Adriana Azevedo da Rocha: Marco Antonio da Rocha |
CRÍTICA URBANA N.18 |
Este artigo tem como objetivo apresentar, a partir dos achados de uma pesquisa quantiqualitativa, alguns aspectos sobre a população que vive nas ruas de Londrina, cidade de grande porte situada no norte do Estado do Paraná, região sul do Brasil. É um importante polo regional de desenvolvimento, contando com uma população estimada em 558.439 habitantes.
O Ministério Público do Estado do Paraná veio desenvolvendo, entre os anos de 2016 e 2017, um trabalho de acompanhamento e monitoramento das políticas públicas voltadas à população em situação de rua dessa cidade, do qual surgiu a necessidade de se saber quantos eram, como viviam e se organizavam, quais eram as necessidades e aspirações das pessoas que viviam nas ruas de Londrina, visando subsidiar a análise e avaliação daquelas políticas.
O Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua, define assim esse segmento:
[…] grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória[1]
Identificada a necessidade de se realizar a pesquisa, formou-se uma comissão organizadora, composta por representantes do Ministério Público do Estado do Paraná, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), da Universidade do Norte do Paraná (UNOPAR) e da administração municipal de Londrina.

Imagen de la campaña Di Basta. Nadie sin hogar, de Cáritas España, 2018
Em setembro de 2017 foi realizada uma capacitação inicial para as pessoas ligadas às instituições que compunham a comissão organizadora. Para ministrar tal capacitação convidou-se a Professora Dra. Ana Lúcia Rodrigues, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá e coordenadora local do Observatório das Metrópoles, que vinha realizando – desde 2015 – pesquisas sobre a população em situação de rua em Maringá.
Em maio de 2018, foi realizado na UEL um evento intitulado “Tornar visível a população em situação de rua de Londrina: condição para a garantia de seus direitos”, visando despertar o interesse de estudantes e professores daquela Universidade para participar da realização da pesquisa.
As atividades de formação para os pesquisadores voluntários foram realizadas entre os meses de junho e setembro de 2018, contando com estudo de materiais bibliográficos, vivência da aplicação do instrumento de coleta de dados, exibição e discussão de filmes e documentários e apresentação da logística de realização da pesquisa.
Foi realizada uma pesquisa quantiqualitativa, de caráter exploratório, com aplicação de questionário com questões fechadas e abertas.
Os dados foram inseridos no software online Lime Survey, que tabulou eletronicamente os dados quantitativos, gerando gráficos e tabelas posteriormente analisados por grupos de pesquisadores divididos por temas, que lhes atribuíram significado.
A análise e interpretação dos dados qualitativos foram realizadas por equipes específicas, formadas por membros da coordenação da pesquisa, professores das universidades envolvidas e estudantes / bolsistas de pós-graduação.
A pesquisa com a população em situação de rua
A pesquisa foi realizada nos meses de setembro e outubro de 2018. Além dos 15 voluntários que atuaram na coordenação, participaram do processo de coleta de dados 75 estudantes de diversos cursos (graduação, mestrado e doutorado) da UEL e da UNOPAR, além de representantes da população em situação de rua, que participaram do planejamento e atuaram como facilitadores.
As pessoas em situação de rua foram entrevistadas nos 17 roteiros previamente definidos, além de outros pontos que foram sendo identificados durante a realização da pesquisa.
Quem são as pessoas que vivem nas ruas de Londrina, Paraná
Foram identificadas 927 pessoas vivendo nas ruas de Londrina. O número de pessoas que viviam efetivamente nessa condição é ainda maior, considerando-se que houve pessoas que se recusaram a responder à pesquisa.
Os entrevistados encontravam-se em plena idade produtiva, considerando que 68,61% delas tinham idade entre 25 e 50 anos.
Sobre os motivos que saíram das suas cidades de origem, um percentual significativo de pessoas veio para o município em busca de melhores condições de vida: 25,8% vieram em busca de trabalho, 7% necessitavam de tratamento de saúde e 13,9% procuravam melhores oportunidades. 22,5% dos entrevistados afirmaram que vieram para Londrina por ser uma cidade que trata melhor as pessoas que vivem nas ruas.
Entre os entrevistados havia 36 pessoas (4,4%) não alfabetizadas. Quase metade dos entrevistados, num total de 381 indivíduos (46,2%), possuía ensino fundamental incompleto e 90 pessoas (10,9%) concluíram esse nível de ensino. 92 pessoas (11,2%) concluíram o ensino médio e outras 134 (16,2%) não chegaram a concluir essa etapa. Com nível superior havia 36 pessoas ou 4,4% do total. Duas pessoas (0,2%) tinham pós-graduação.
Quanto ao trabalho, renda e profissão:
A maioria das pessoas (511 ou 61,9%) respondeu que tinha uma profissão. Por outro lado, 26,8% dos entrevistados (221 pessoas) afirmaram não ter nenhuma renda diária. Um pouco mais da metade dos entrevistados apontou valores médios de renda diária que oscilaram entre as faixas de R$ 1,00 até R$ 10,00 (50 pessoas), de R$ 10,00 até R$ 20,00 (57), de R$ 20,00 até R$ 30,00 (60) e de R$ 40,00 até R$ 50,00 (55).
Razões para estar em situação de rua:
Um número significativo de entrevistados (42,2%) indicou como a maior razão para estar na rua a dependência química, motivo que pode aparecer associado a outros determinantes, como desemprego e conflitos familiares (Ver Gráfico).

Razões para estar em situação de rua. Fonte: Pesquisa sobre a população em situação de rua de Londrina PR (2017-2019).
Sobre os problemas de saúde:
Dentre os entrevistados 21,1% respondeu não ter nenhum tipo de problema de saúde, enquanto a maioria identificou uma ou mais patologias. Os mais citados foram o uso abusivo de substâncias psicoativas: 34,7% álcool, 39,4% cigarro (tabaco) e 31,5% substâncias ilícitas. Em seguida vêm os problemas de saúde mental (17,9%), saúde bucal (14,7%,) e doenças crônicas como diabetes, hipertensão e doenças pulmonares (13,8%).
Quanto à violência:
Parcela significativa dos entrevistados, 57,3% ou 473 pessoas já sofreram algum tipo de violência física, sendo a maioria delas por policiais militares, o que corresponde a 34,3% ou 283 pessoas, seguido por 26,3% ou 217 pessoas que sofreram violência física praticada por outra pessoa em situação de rua e 23,2% ou 191 pessoas que sofreram violência por parte de guardas municipais.
Considerações finais
A pesquisa revelou que o número de pessoas em situação de rua em Londrina era muito maior do que o que se estimava até então, já que o último censo governamental (2009) indicava que a cidade contava com aproximadamente 500 pessoas vivendo em suas ruas.
Há um baixo índice de analfabetismo entre os entrevistados e um alto número de pessoas que têm profissão, mas não conseguem trabalho: certamente o preconceito que muitos empregadores tem em relação às pessoas em situação de rua pode explicar esse fenômeno, bem como o fato de que quase 60% das pessoas entrevistadas já sofreram violência nas ruas, praticada majoritariamente pelas forças repressivas do Estado.
É muito significativo que quase metade dos entrevistados tenham indicado como a maior razão para viver na rua a dependência química, além de mais de 30% terem feito alusão a problemas de saúde decorrentes do uso abusivo de substâncias psicoativas. Essa situação agrava-se ainda mais quando se considera que a política de saúde mental do município tem sido insuficiente para atender à demanda apresentada por essa população.
A política de atendimento à população em situação de rua em Londrina tem intervenção intensiva da área da assistência social, que tem ampliado a atenção a esse público, mas não é acompanhada por outras áreas como cultura, esporte, lazer, educação, habitação e especialmente a política de saúde e saúde mental.
Por outro lado, o Comitê POP RUA, criado para acompanhar e monitorar a política municipal para esse segmento tem suas reuniões esvaziadas, posto que a elas comparecem principalmente representantes da área de assistência social, movimentos sociais que representam a população em situação de rua, Defensoria e Ministério Público.
A realização da pesquisa fortaleceu a coordenação local do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, que a partir daí passou a contar com um Grupo de Trabalho que tem lhe prestado apoio efetivo. Ampliar e qualificar o atendimento prestado à população em situação de rua e garantir a participação dos diversos segmentos nas reuniões do Comitê POP RUA representa um desafio para esse movimento e demais organizações que defendem os direitos dessa população.
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[1] BRASIL, Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7053.htm.> Acesso em 07 out 2020.
Nota sobre a autora
Adriana Azevedo da Rocha. Graduada em Serviço Social (UEL, 2018) e Especialista em “Serviço Social na Sociedade Contemporânea” (Faculdade Dom Bosco, 2019). Assistente Social na MMA – Ministério Missões e Adoração, onde coordena serviços de acolhimento institucional para pessoas em situação de rua.
Nota sobre o autor
Marco Antonio da Rocha. Graduado em Serviço Social (FACIAUSO, 1992), Mestre em Serviço Social e Políticas Sociais (PUC-SP, 2002) e Doutor em Serviço Social e Políticas Sociais (UEL, 2017). Assistente Social do Ministério Público do Estado do Paraná e Professor da Universidade Estadual do Paraná – Campus de Apucarana.
Para citar este artículo:
Adriana Azevedo da Rocha: Marco Antonio da Rocha. Tornar visível a população em situação de rua, condição para a garantia de seus direitos. Crítica Urbana. Revista de Estudios Urbanos y Territoriales Vol.4 núm. 18 Vivir en la calle. A Coruña: Crítica Urbana, mayo 2021.